Alô, belezas
Nesta edição, Julia Feital compartilha conosco seus cadernos de desenho cheios de movimento. A artista comenta três tópicos: as referências de ação sempre presentes, o papel da refação e a obra Faca.
movimento e ação
Eu nasci comendo animação com arroz e feijão né, hehe. E até hoje elas são uma forte influência para mim. Ainda assisto desenho animado no café da manhã como fazia nos Sábados Animados do SBT, em 1995. É uma referência tanto visual quanto de movimento. De uns tempos pra cá tenho me dedicado a aprender mais o desenho clássico em aulas de modelo vivo, mas eu me divirto mesmo é observando o corpo em ação nos ensaios de teatro da companhia que faço parte. É muito maneiro ver quando a pessoa coloca tônus em um músculo durante um movimento e como compensa com o próximo para criar equilíbrio! É um jeito muito interessante de entender formas, volumes e contornos.
Então diria que o movimento é algo meio intrínseco às minhas criações, até porque minha viagem com ilustração é narrativa e não “desenho puro” – aquele desenho que pretende ser só descritivo, demonstrar o objeto meio oco, desprovido de vida. Sendo assim, acho que eu raciocino em formato de animação. O meu formato de compreender e propor imagens está sempre marcado por esse movimento mesmo, mas também penso que isso é uma característica bem geracional.
vários registros de uma trajetória
Uso o desenho como uma forma de extravasar, em geral a criação é muito emotiva e se esgota junto à produção de cada desenho. Eu me sinto cafona de dizer mas, é literalmente arte-terapia (hahaha). Lógico que a motivação é processar o sentimento, mas o processo de refinamento, que é mais técnico, demora! Eu separo bastante minha produção comercial da autoral, porque essa segunda passa por um lugar essencialmente emocional. É um processo meio obsessivo mesmo.
As refações e repetições na feitura dos desenhos são também uma maneira de processar e lapidar o que eu estou sentindo e o que vou fazer com aquilo. O caderno é um mapa. Olhando pra ele, lembro de quem eu sou e de quem eu sou capaz de ser (no bom e no mal sentido). Percebo isso agora que ando refazendo uns desenhos de 10 anos atrás! Na minha cabeça, eu já tinha dado um check, sabe? Tinha marcado como finalizados, mas estava folheando cadernos antigos com minha nova bagagem, emocional e visual, e decidi refazê-los. Agora tenho explorado outras perspectivas de um trabalho antigo. O que tem sido divertido porque a lembrança daquele momento fica voltando durante o processo atual. Eu vou descobrindo e reaproveitando sensações antigas, mas o sentimento mudou. Então esse processo acaba sendo responsável por criar algo quase como um diário emocional e um registro da minha trajetória enquanto ilustradora.


No desenho autoral a temática é sempre muito emocional e a composição acaba seguindo isso. Assim, eu tento demonstrar o sentimento que estou tendo, ou a situação que me fez sentir aquilo, sabe? A cor também me ajuda nessa tradução. Por exemplo, normalmente eu gosto de usar verde para raiva. Em contrapartida, eu não sou tão sofisticada na composição, não. Acabo sendo bem explícita com as minhas motivações. Então o objeto principal sempre ocupa o maior espaço da tela e o restante eu espremo nos cantos sobrantes.
a faca
Essa para mim é uma história em quadrinho de dois quadros. Cada um deles desenhado de um lado da lâmina. Eu construí ela dentro da minha fase do Burnoutinho. Que é um compilado de pinturas que me ajudaram a entender que eu tive um burnout como também a localizar quais aspectos estavam me pesando mais nesse momento (trabalho, família, relacionamento, etc).
Em geral eu estava processando muita exaustão e indiferença ali. Um lugar meio seco e vazio. Tinha também uma certa raiva desse cansaço. Eu acho que não sou tão boa pra me satisfazer com as palavras, apesar de eu gostar da dualidade delas e por deixarem lacunas interessantes para criação artística, mas eu não sou escritora. Acho que o desenho me traduz um pouco melhor ainda. E aí eu sei que tem toda a discussão da letra também ser um desenho e eu também uso delas para me expressar, mas eu só me sinto realizada a partir da criação de uma imagem gráfica. É uma espécie de recompensa também.
Julia Feital, Fulia Jeital, Fúria Letal é ilustradora-designer há 5 anos. Uma girl from Rio. Ama desenho animado e água de coco. Acompanhe a Julia aqui e aqui. Conheça seu trabalho aqui.
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