Alô, belezas
Nesta edição: pot-pourri de assunto recorrente na cabeça + o que aconteceu na oficina Desenho-amuleto. ➠ Trilha sonora primaveril aqui ✷ Brevemente: Studio Sale - desenhos originais à venda. ✷ Próxima oficina: Desenho-Sonho (final de abril).
Muitas vezes eu sinto que comento sempre as mesmas coisas sobre o desenho mas volta e meia chego à conclusão que vale a insistência. E isso tem a ver com o próprio desenhar - repetição, insistência, aproximação. Dessa vez me rondou uma vez mais a questão Desenhar pra quê?
Pra responder a isso poderíamos ir por muitos caminhos. Aspectos técnicos, ferramenta de apontamentos e documentação, ou ainda o próprio estudo da linguagem. Mas a gente pode localizar essa pergunta no seguinte cenário: por que perder tempo desenhando?
De maneira geral, quando as pessoas me confidenciam suas questões desenheiras, suas narrativas giram em torno do desejo de trazer mais criatividade para a rotina, em contraste com o medo e a tensão de criar. Como se as relações com práticas criativas fossem constantemente bloqueadas por perfeccionismo, julgamento, ou falta de energia.
Isso é sintomático de como nos organizamos e estamos no mundo. Criar algo tem como fim ser digno de apreciação. Práticas experimentais são ricas para qualquer pessoa, profissionais da área ou não. Elas focam no processo trabalhando uma quebra de expectativa e de hierarquia do resultado final. Não é lucrativo demorar experimentando, brincando, às vezes perder o maior tempão para concluir que não era bem por ali… É mais lucrativo para quem vende e quem compra a promessa do produto. O kit resolução de problemas sem experienciar o processo é vendido para todas as áreas das nossas vidas. Técnicas fantásticas à prova de erros para desbloquear tudo em 5 aulas, pacotes ou gominhas (e de quebra aumentam sua produtiviade).
Tempo perdido, hobbies e consumo
Com todas as crises, conjuntura econômica e demais sintomas do apocalipse que vivemos, telas e redes sociais acabam por ser o recurso viável de emulação do lazer. E foi mesmo aí no ciberespaço que um estilo particular de títulos me chamou atenção:
- “50+ HOBBIES TO START IN 2025 become more *interesting* and PHONE LESS ✨ we are cool girls”
- “Hot girl hobby era”
- “Feminine, High Value Hobbies to LEVEL UP in 2025”
- LIFE-CHANGING HOBBIES TO GET INTO IN 2025 ✨creative, fun, & productive
São vídeos apresentando menu de atividades fora das telas valiosas que prometem te deixar menos online, mas com o resultado final de te tornar mais cool. (E eu nem vou entrar aqui nos marcadores “feminino” e “hobby de garota”.)
Hobby em português é passatempo. Atividade realizada com o intuito de perder tempo, distrair-se. Não é que você não possa colher resultados do seu hobby. À medida que você realiza uma atividade com maior frequência e consistência, é natural que você veja algum tipo de avanço, o que é estimulante. Mas se eu estou realizando um passatempo para ser produtiva e me aprimorar, já não estou sabotando o princípio do próprio passatempo? Já não estou cedendo ao produto em detrimento do processo? O que retorna à questão do cool. Como as pessoas vão saber que você é cool se não anunciar? Pode ser cool se tentar e falhar miseravelmente?
Em se tratando de desenho, acho que se tencionamos muito para o lado do resultado, sufocando o processo, podemos cair mais intensamente no pântano da frustração e na massificação. Para significar alto valor (quando posto na web) e ter reconhecimento de cool, provavelmente vou precisar seguir uma certa ordem e padrão que vão desembocar em conceitos como belo, bom e útil.
Talvez o maior desafio não seja encontrar um hobby ou um passatempo em si (que vai te transformar), mas equalizar a hierarquia processo < resultado. As coisas têm o tempo delas e não vivemos uma rotina que nos dá muita margem para isto. Será que a gente não merece também se reaproximar do lúdico depois que se adultiza?
Potências dos processos
Na oficina Desenho-amuleto, facilitada por mim no último mês, esse foi o convite: deslocar o foco do resultado para a experiência. O processo é pensado e conduzido de maneira a abrir espaço para a intuição e uma pitada de arrebatamento. Quando planejo uma atividade de desenho, seja uma mais objetiva, como as Sessões de Domingo, ou uma mais intuitiva, como essa, parto do ponto de vista de que desenhar é uma ação do pensamento e que o desenho mora no corpo.
O encontro tinha objetivamente a proposta de que cada participante criasse um amuleto pessoal em formato de desenho, que ancorasse desejos e intenções para os próximos seis meses, marcando a passagem do tempo no equinócio de primavera/outono. A oficina foi dividida em 3 partes: aquecimento, referências e desenhar. A proposta é começar mexendo as informações e energias, suspender um pouco o olhar objetivo e abrir espaço para entrarmos em um estado de desenho.
Depois passamos brevemente por olharmos para alguns exemplos visuais de amuletos. Acho proveitoso incluir referências visuais porque sinto que ajuda pessoas que não são tão próximas do processo de ideação → desenho para fazerem seu desenho, mas sem sufocar numa pré-concepção do que deve ser desenhado. As referências funcionam como inspiração e momento de pausa.
No terceiro momento, colocamos a mão na massa. E é onde a magia acontece. Para conduzir essa conexão da intenção ao desenho, começamos com o desenho automático e a partir dele e em um determinado fluxo, vamos fazendo a ideia crescer por meio de um desenho que vai se formando.
Através de atividades pensadas com maior atenção aos processos conseguimos afinar a percepção sobre nosso próprio corpo (que vamos e venhamos, é onde mora muita informação que a gente cisma em ignorar) e descarga mental - depois de atividades lúdicas e criativas conseguimos organizar de outras maneiras os pensamentos atribulados. E ainda, é uma atividade prazerosa que usa a tecnologia e o online para aproximar e fazer gerar coisas novas.
Ponte, porta, passagem
Por fim, foi a partir do feedback de uma das participantes da oficina Desenho-amuleto que me veio o estalo poético. A resposta para minha inquietação (que vou confessar também, extrapola o sentido dos espaços das oficinas): Abriu uma portinha boa aqui.
É preciso atenção para reparar no feixe de luz que avança através de uma fenda e é preciso coragem para se permitir olhar do outro lado de cada porta que se abre ao nos alinhamos com nossos sentidos criativos e lúdicos. Desejo a vocês, aos que flertam especialmente com o desenho, que a cada rabisco gostoso uma ponte se firme e te mova na direção do que você deseja.
No final de abril vamos ter outra oficina, desta vez sobre Sonhos. Estou fermentando como será o formato, mas já fica aqui o meu pré-convite :) A caixa de correio [antidesenho@gmail.com] continua aberta para dúvidas, troca de ideias e mais cartinhas virtuais.
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