Alô, belezas
Hoje a trilha sonora é a música de aquecimento da última oficina.
No final de junho, na rabeta do Solstício de verão/inverno, tivemos a oficina desenho-sonho. O convite central foi produzir um desenho poeticamente alimentado pelo conteúdo do sonho. Para preparar nosso campo de trabalho, na semana anterior ao encontro online, enviei através de e-mails e no material de apoio propostas de atividades para anotação de sonhos e informações sobre a temática nesse contexto. A oficina foi muito rica, com relações e reações diversas entre os participantes, seus sonhos e desenhos. O que muito me chamou atenção neste encontro foram as percepções da própria qualidade do sono e como talvez o sonhar esteja, de maneira ampla, caindo no nosso esquecimento.
há tempo para sonhar?
A verdade é que nós sonhamos durante quase toda a noite e mesmo durante a vigília (em devaneios e imaginação). Mas, pra gente dizer que sonhou precisamos 1) dormir e 2) lembrar. Para tanto, temos de observar e organizar a qualidade da nossa noite de sono. Precisamos ter espaço e tempo para dormir bem, com categoria. E isso é uma questão coletiva, não essencialmente individual.
O que precisamos para sonhar?
R: Escuro, esquecer onde estamos, dissolver, alteridade.
O sono nos é capturado não só pela luminosidade dos aparelhos eletrônicos e da cidade, mas também pela lógica de produtividade (“trabalhe enquanto eles dormem”, rs), pela discrepância social (tempo de deslocamento entre casa-trabalho, ter mais de um trabalho, etc). E ainda, num hype mais recente circunscrito à “feminilidade”, as rotinas de sono que são completamente desconfortáveis, mas prometem garantir que mulheres acordem sempre bonitas no dia seguinte. Outro fator de rompimento com o mundo onírico são os fármacos. O uso medicamentoso de alguns antidepressivos e betabloqueadores pode diminuir a ocorrência de sonhos, enquanto os benzodiazepínicos podem diminuir a fase do sono na qual ocorrem a maior parte dos sonhos, por exemplo.
A verdade é que o sono de qualidade é essencial para o nosso bem-estar e saúde física, metabólica e imunológica. Ele também representa um momento muito importante para as funções cognitivas, incluindo o aprendizado de novos conceitos. O sono e o sonho articulam a dicotomia corpo-mente, impactando profundamente nosso fisiológico e nosso psíquico.
contar para lembrar
De modo geral, sonhos convocam e remixam fragmentos de vivências e ideias, configurando-se como imagens de objetos, pessoas, paisagens, cenas vívidas e específicas, ou aleatoriedades codificadas. Eles podem seguir temáticas e narrativas únicas, ou podem ser compostos por vários retalhos interligados entre si. Um sonho lembrado é uma mensagem que chega.
Alguns sonhos podem ser generosos o bastante, sendo verdadeiras chaves para resolução de problemas e elaboração de questões. Em geral, eles são a própria fonte de futuro, fazem parte de um arcabouço de todas as nossas memórias e de todas as suas combinações possíveis, juntando ideias antigas de uma nova forma.
No entanto, há sempre algo do sonho que nos escapará. Há sempre algo que, por mais que apresentado, nunca nos será revelado (mistério!). Ainda assim, a chave para a compreensão de um sonho reside somente no sonhador. Por mais que seja tentador (e divertido!) recorrer a um dicionário de sonhos ou solicitar respostas à outra pessoa, somente quem sonhou conseguirá verdadeiramente chegar lá.
Lembrar dos sonhos inclui relatá-los. Isto pode ser em forma de diário, desenho, legendas, áudio, conversas… Quanto mais registramos nossos sonhos, mais conseguimos lembrar deles. Uma coisa alimenta a outra. Ao acordar, antes do sonho fugir, precisamos agarrar o fragmento disperso que ficou. Antes de levantar ou fazer qualquer movimento brusco (isso inclui pegar no telefone!), detenha-se um tempinho rememorando tal fração de sonho. Provavelmente vai surgir algum contexto. Vá seguindo o rastro e comece a remontar o que sonhou. Além da cena, é interessante observar a sensação que restou, o que ficou depois do sonhado.
ideias para registrar os sonhos
A esta altura já sabem que sou grande fã de cadernos e inclusive é tema nas minhas pesquisas. Considero que ter algum tipo de diário dos sonhos é sempre proveitoso (aliás, ter um diário em geral é muito maneiro). Ter algum espaço no qual podemos escrever de manhã os detalhes e narrativas do que sonhamos é sempre bom. Conforme fui praticando as anotações de sonhos, elas começaram a se tornar mais e mais detalhadas. Depois de algum tempo senti a necessidade de ser mais sucinta e conseguir elencar palavras-chave ou relatos mais diretos, além de gostar de ver todos os sonhos de um período ao mesmo tempo, ter algum tipo de visão geral. Foi a partir dessas necessidades que criei o Sonhário, que funciona como uma espécie de agenda permanente.
Podemos usar o diário de sonhos de diversas maneiras, além do relato mais ou menos cronológico, mais ou menos super detalhado. Podemos desenhar o sonho, ainda meio dormindo, logo ao acordar. Procurar não elaborar tanto uma ideia visual do sonho para então formular o desenho, mas antes desenhar a sensação do sonho. Trabalhar esquemas bem simples, formas abstratas, ícones…
Ainda pensando a sensação como algo singular no campo onírico, podemos formular uma legenda de cores para cada uma. A partir dessa legenda, fazer uma imagem abstrata mostrando as proporções e interações das sensações.
Anotar as palavras-chave do sonho em questão. Isso é algo que, além de observar a sensação do sonho, tenho procurado incorporar cada vez mais. Depois de apontar o sonho, procuro selecionar as palavras-chave, que no final acabam sendo os temas e símbolos que mais me chamaram atenção.
Fora do campo do registro escrito, já recebi alguns relatos de pessoas que gravam áudios para si mesmas contando o sonho. Para elas, o simples ato de gravar já faz com que relembrem e tragam mais para perto o material sonhado.
—
Se esse tema ressoou por aí e você tem alguma prática de sonhos - criação, anotações, histórias -, eu vou adorar saber! Me escreva respondendo a este email ou, se está lendo pelo browser, mande uma mensagem no antidesenho@gmail.com.
O que é a Cavalo d’Água?
Essa newsletter é escrita por mim, isadora. Aqui falo sobre desenhos e processos de criação, sonhos e imaginação. Se gostou desse post, pode apoiar recomendando para pessoas da sua rede que irão gostar.
Deixar um comentário ou um like também é uma ótima maneira de eu saber que você passou por aqui e gostou do que viu.
Obrigada pela presença virtual e por ler a Cavalo d’Água.
Um beijo e até a próxima!